O Cenário da Música Independente de São Paulo: Um Panorama #1 – Entrevista com Cesar Zanin

Hoje, começo aqui no Ventilador de Cultura uma série de entrevistas intituladas: O Cenário da Música Independente de São Paulo: Um PanoramaA série busca, através de entrevistas com pessoas atuantes no cenário, criar um panorama sobre a real situação desta cena na cidade de São Paulo e levantar questionamentos na tentativa de fomentar um debate sobre o assunto.

Para começar a série, trago uma entrevista com Cesar Zanin, Músico, proprietário do Espaço Cultural Walden, Ou Abrigo no Bosque Pé na Estrada, Produtor Musical, além de Produtor e Apresentador do programa de rádio independente Cosmopoplitan Radio Show.

No mes passado (setembro/outubro) Cesar trouxe ao Brasil a banda americana Beach Fossils para uma turnê de quatro shows, sendo dois em São Paulo, um no Rio de Janeiro e um em Curitiba.

cesar zanin
No Espaço Cultural Walden, Cesar vive em contato direto com muitos artistas e seus públicos e com essa experiência ele escreveu o texto “Quem Quer Pagar Pra Ver Show Independente em São Paulo?” no qual ele coloca diversas questões sobre a cena da música independente de São Paulo, tanto relacionadas ao Walden quanto relacionadas à diversos outros lugares e pessoas.
Esse texto foi o estopim da entrevista que fiz com ele e, consequentemente, desta série de entrevistas que começo agora.

Marcos de Luca (Ventilador de Cultura) – Você comenta em seu texto que é comum, em São Paulo, assistir shows excelentes, com música de altíssima qualidade, mas com um público muito pequeno, e que isso ocorre principalmente em espaços alternativos e independentes, dentre os quais você cita Walden, Casa do Mancha, Serralheria, Hotel Tee, entre outros. Para você, que já viveu em Londres e vivenciou um cenário onde isso não acontece com tanta frequência, qual(ais) é(são) a(s) principal(ais) razão(ões) para que isso continue acontecendo por aqui? 

César Zanin – Em 2004 deixei o Brasil para viver fora. Vivi na Italia por 5 anos e em Brighton, na Inglaterra, por 3 anos. Enquanto estive na Italia eu meio que me aposentei das minhas atividades musicais, preferi escrever e viajar, mas na Inglaterra voltei a tocar, voltei a lançar bandas com o selo e trabalhei como promoter, técnico de som e motorista para bandas. Toquei em vários lugares no Reino Unido, organizei eventos em Londres e Brighton regularmente (toda semana, muitas vezes mais de um evento por semana). Organizei e toquei turnês na Europa e America do Norte. Pude ver um pouco como funcionam as coisas por lá. Sempre no cenário underground/DIY.

Voltei a morar no Brasil em 2011, e em 2012 abri o Espaço Cultural Walden com a Mariana.

Antes de sair do Brasil eu tinha uma visão romantizada sobre como seria a cena na Europa etc. Lá eu percebi que várias das bandas que eu e meus amigos idolatrávamos no Brasil, lá fora eram desconhecidas do grande público e muitas vezes faziam shows para 100 pessoas ou menos (recebendo cachês módicos), mas mesmo assim seguiam produzindo com qualidade. O mesmo com selos, imprensa especializada etc.

O glamour que víamos daqui se devia principalmente a dois fatores: 1) o comportamento de artistas, agentes (imprensa, selos, casas etc) e público, que lá esbanja resolução, orgulho e responsabilidade; 2) o acesso a equipamentos e instalações a condições melhores lá.

Quando voltei a morar no Brasil minha maior vontade era abrir um lugar para shows pequenos como os muitos lugares que vi lá fora. Lugares esses que, mesmo com todas as dificuldades do dia-a-dia, conseguiam se manter dignamente e alimentavam a cena independente, possibilitando inclusive que muitas bandas subissem ao mainstream de forma legítima e saudável.

Mas assim que começamos a trabalhar com o Walden, percebemos como a tal cena independente daqui se atrofiou, chegando nisso que vemos agora, um limbo.

Marcos – Por um lado, existe muita gente produzindo muito material hoje em dia. Como você disse no texto “muita gente querendo ser artista”. Por outro, muitos shows vazios e artistas que tem apenas os amigos mais próximos como expectadores. É possível mudar isso? Como?

Cesar – O foco deveria ser na formação de um público para shows pequenos.

Em termos de qualidade artística o Brasil não fica devendo em nada para qualquer outra parte do mundo, artistas dispostos a tocar temos de monte, interesse por música nova por parte de quem gosta de música também existe, o que falta é canalizar tudo isso para um cenário onde a banda toque e o público venha pagar para assistir, sem esse glamour raso tão em voga por aqui.

Acredito que um bom começo, para melhorar a situação, será quando os próprios músicos perceberem que são público também, será quando passarem a ir a shows de outras bandas e pagarem ingresso, afinal o que vejo agora é que a maior parte dos músicos quer que todos venham ver seu show, mas eles próprios raramente vão ver shows dos outros, e quando vão, querem entrar de graça.

Hoje no Walden o público da maior parte das bandas que ali tocam é composto pelos amigos dos integrantes (escola/trabalho/etc). Não existe um público autônomo consistente, que comparece aos shows para conferir as bandas. Se pelo menos uma pequena fração do público que paga feliz por ingressos caríssimos para os “badalados” festivais e shows maiores passar a frequentar os shows pequenos (com ingressos custando R$ 30,00 ou quase sempre menos que isso), pronto, já teremos uma cena viável.

Antes dessa situação melhorar, a ponto de uma cena independente se tornar viável,  precisamos nos conscientizar que ser músico independente no Brasil em 2013 significa ralar, significa contar moeda para fechar as contas no fim de cada mês, e mesmo assim continuar a produzir, com orgulho, e apoiando a produção de seus próximos.

Marcos – Qual é o papel e a importância da mídia independente no cenário independente de música?

Cesar – Que eu saiba não existe mídia especializada em música independente no Brasil, infelizmente.

Existe mídia independente que fala de música, isto é, alguns fanzines e os blogs. E a maior parte dessa mídia, que se declara a favor da música independente mas que acaba destinando muito mais atenção para artistas mainstream e/ou de outras cenas, acaba vez ou outra abordando algum artista independente e/ou local também, porém quando isso acontece costuma ser de forma paternalista (apadrinhando a banda dos amigos ou sendo o descobridor da vez etc) ou então subestimando o artista..

Para que uma cena seja viável o papel da mídia independente é justamente o de promover a cena independente, com ênfase na cena local, e pontuando com a cena independente de outros lugares também. Obviamente a pessoa que se propõe a escrever sobre música independente e a cena local deveria ter muita vontade de ir a shows em lugares como o Walden, entre outros em São Paulo, mas como sabemos, não é assim que acontece.

Marcos – Você comenta no texto sobre “uma mentalidade onde a arte não tem valor, onde a arte deve ser de graça ou paga pelos outros e não por mim”. Você também diz que atua no meio DIY (Do It Youtself) desde 1992. Essa mentalidade é uma constante desde que você começou a trabalhar na área ou é algo que vem de tempos mais recentes? Você consegue sugerir alguma hipótese que explique essa mentalidade e o comportamento dela?

Cesar – A impressão que tenho, com a experiência que venho tendo com o Walden, é que a maioria acha que ser músico significa (ou deveria significar) viver de agrados e favores, sabe, de regalias… Acho que enquanto essa mentalidade não mudar, a situação não melhora.

Nasci em Sao Paulo capital e desde que meus pais se separaram, quando eu tinha 12 anos, fui morar com minha mãe no litoral paulista. Desde meus 15 anos de idade venho atuando no cenário independente, no underground, no lofi, ou como quiserem chamar, tocando em bandas, fazendo fanzine e lançando materiais com meu micro-selo; primeiro na baixada santista e depois na capital.

No Brasil dos 1990s, mesmo havendo gente dentro do cenário independente/underground, movimentando, criando, promovendo, não havia estrutura suficiente, e tanto artistas quanto público apenas sonhavam em poder migrar para o mainstream mantendo a essência do que queriam fazer/ver. Não havia nem mesmo a consciência de ser independente.

Estou falando de um tempo sem internet, onde a comunicação toda era através de cartas e a mídia era a fita cassete. Eu fiz parte da cena independente que o Brasil teve após o Rock BR dos anos 80, que muitos chamavam de guítar (com a tônica na primeira sílaba mesmo, hehe).

Com a chegada da internet a troca de informação e de material possibilitou uma melhor divulgação, e com a popularização de novas tecnologias para gravação portátil, duplicação mais ágil (Cdr) e criação gráfica, ficou mais fácil criar e gravar em casa e divulgar autonomamente. Mas esses avanços não se refletiram no que diz respeito a um circuito de shows maior e/ou melhor. Pelo contrário, a maioria das pessoas passou a conhecer novas bandas pela internet e não mais indo a shows. Revistas especializadas em música faliram e foram substituídas por blogs. E no Brasil o consumidor se recusou a pagar para fazer download, diferentemente de como aconteceu fora.

Ou seja, ao mesmo tempo em que para novos artistas ficou mais fácil gravar, lançar e divulgar, aquele pouco de estrutura de shows e imprensa especializada se enfraqueceu ainda mais. Cada um na sua, em casa, com o material circulando virtualmente e grátis.

Marcos – Qual é a sua opinião sobre a dificuldade do brasileiro em aceitar o novo?

Cesar – O brasileiro não tem dificuldade em aceitar o novo, mas desde que já tenha sido previamente aprovado por um dos “jornalistas profetas do hype”!

Agora o novo que é feito pelo próximo, sem alarde nem estratégia de marketing visando glamour, badalação etc, aí então são outros quinhentos…

Na boa? É quase uma síndrome de colonizado, onde o provinciano assimila e espalha o que lhe foi ditado. Sabe, preguiça, receio, e claro, o tal “jeitinho” (querer levar vantagem…).

Ir a show acaba se tornando um monte de outras coisas, tais como badalação, azaração, afirmação social…

O simples ato de ir a um show e aproveitar esse momento sem pretensão alguma a não ser ver a banda tocando se tornou algo raro.

Marcos – No fim do seu texto, você comenta sobre as (já conhecidas) panelinhas que não se misturam. Você acha que existe uma relação dessas panelinhas com a dificuldade de novos artistas lotarem casas de show independentes (mesmo que pequenas, mesmo com shows gratuitos)?

Cesar – Sim, faz parte. Por exemplo, este ano organizamos a turnê brasileira da banda norte-americana Beach Fossils; um integrante de uma banda que eu e a Mariana convidamos para abrir um dos shows do Beach Fossils me chamou de mesquinho, quis demonstrar ser um amigão meu ao me “alertar”, que eu vinha sendo avacalhado pelas costas por “muita gente”, por causa dessa minha suposta mesquinhez, por “desvalorizar” as bandas, sabe, não oferecer ajuda de custo, bebida ou ingressos vip para namoradas, amigos e família etc. Ele inclusive insinuou que eu teria ganho dinheiro sujo e disparates do tipo…

Eu já tinha explicado desde o momento quando fiz o convite que seria tudo DIY, que estávamos fazendo a tour por amor e que a minha própria banda (que também abriu os shows) não estaria ganhando ajuda de custo nem bebida nem ingressos vip etc. Eu já tinha inclusive explicado que provavelmente sairia no prejuízo financeiro com a tour…

Fiz questão de prestar contas publicamente e quando ele soube do prejuízo de mais de sete mil reais que tivemos com a turnê, simplesmente me escreveu me desejando boa sorte, hahaha.

Ou seja, a banda dele teve a oportunidade de tocar para um público de mais de 200 pessoas, com equipamento bacana, abrindo para o Beach Fossils, num show onde o preço do ingresso foi justo, e para ele eu que sou mesquinho… Como fazer pessoas como essa entenderem que essas regalias são incompatíveis com o DIY?!? Como fazer pessoas como essa entenderem que comportamentos como esse são incompatíveis com essa tal cena independente de que eles próprios se dizem parte?!?

Essa mentalidade pautada nos artistas movidos a regalias, essa mentalidade de quem inventa panelinhas ou faz uso de tais panelinhas é que é mesquinha. Para que exista uma cena, deve haver apoio mútuo. Reciprocidade é a chave entre os indivíduos numa cena.

Regalias são incompatíveis com o conceito de independência, no DIY você deve merecer o que deseja.

Marcos – Obrigado, Cesar!

Entrevista realizada por e-mail.
Entrevista publicada na íntegra.

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Marcos de Luca – lucademarcos@gmail.com